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Aparelho Digestório - Características Absortivas gerais. Aspectos práticos na dietoterapia com: Zinc

Aparelho Digestório - Características Absortivas gerais. Aspectos práticos na dietoterapia com: Zinco, Ferro, Magnésio e Potássio

Dr. Celso Cukier
Dr. Daniel Magnoni

O Aparelho digestivo é responsável pela digestão e absorção dos nutrientes. Estas funções iniciam-se já na fase cefálica, descrita por Pavlov, em que secreções digestivas passam a ser secretadas previamente à ingestão dos alimentos, apenas com estímulos sensoriais. Condições mórbidas que exigem a introdução de sonda naso-gástrica ou naso-enteral obrigam a introdução de alimentos específicos que facilitem os mecanismos de digestão e absorção, já que a mastigação e a ação do ácido clorídrico poderão estar abolidas nos casos de sondagem enteral. A ministração de substâncias simplificadas, facilitando a digestão e absorção de nutrientes é, com certeza, um grande avanço no tratamento de pacientes portadores de doenças específicas. Este suplemento traz discussões que orientarão os leitores para noções básicas que visam a compreensão dos mecanismos fisiológicos de digestão e absorção de nutrientes.

Como ocorre a digestão de carboidratos, gorduras e proteínas?

A digestão dos carboidratos tem início na boca quando o alimento sofre a ação da a-amilase. O pâncreas sintetiza enzimas que facilitam a digestão luminal. A a-amilase pancreática atua sobre as moléculas de maltose, maltotriose e dextrinas. As dissacaridases e trissacaridases, enzimas presentes na borda em escova são responsáveis pela digestão dos dissacarídios. A sucrase e lactase são encontradas em maior concentração no jejuno, enquanto a maltase é mais abundante no íleo.
No estômago o ácido clorídrico desnatura proteínas na intenção de expor as ligações peptídicas à posterior ação de enzimas, como pepsina e lipase. A digestão das proteínas necessita da presença de diferentes enzimas pancreáticas lançadas na forma de pró-enzimas e ativadas no lúmen intestinal. Entre elas se destacam as peptidases, incluindo a tripsina, quimiotripsina, elastase e carbopeptidases A e B. O produto restante da digestão enzimática das proteínas divide-se em aminoácidos (40%) e oligopeptídios (60%). Os dipeptídios sofrem ainda digestão enzimática nas bordas em escova e no meio intracelular pela ação das aminopeptidases e dipeptidases específicas.
A digestão lipídica é mais complicada pela natureza hidrofóbica das moléculas de triglicérides de cadeia longa (TCL). Para que ocorra a interação com enzimas intraluminais, os lípides são primeiramente submetidos ao processo de emulsificação iniciado pela atividade trituradora do antro gástrico. No duodeno, substâncias lipolíticas como lipase e colipase ligam-se à superfície das partículas emulsificadas e hidrolizam as ligações éster dos triglicérides. Este processo exige a ação detergente de ácidos biliares conjugados produzidos no fígado. Os ácidos graxos produzidos são incorporados em micelas podendo-se mover por meio do quimo até a superfície mucosa para que ocorra absorção. Os triglicérides de cadeia média (TCM) são menos hidrofóbicos e apresentam maior superfície para a hidrólise intraluminal. São mais rapidamente hidrolisados e melhor absorvidos. Os ácidos graxos de seis a dez carbonos resultantes da hidrólise apresentam grande solubilidade em água não necessitando da presença da bile. A presença de enzimas pancreáticas não é essencial já que aproximadamente 30% do TCM é absorvido de forma intacta.

Como são absorvidos os carboidratos, proteínas e gorduras

A absorção dos nutrientes ocorre através da passagem do alimento pelo intestino delgado. Os carboidratos são absorvidos como monossacárides em sítios adjacentes à borda em escova. Galactose e glicose são absorvidos por transporte ativo e frutose é absorvida por meio de difusão facilitada, processo este não dependente de energia. A glicose é transportada por uma proteína carreadora de membrana contra o gradiente de concentração.
As proteínas são absorvidas como pequenos peptídios (jejuno e íleo) e aminoácidos (primariamente no íleo), sendo mais efetivo o transporte para os dipeptídios. No enterócito, os peptídios são novamente hidrolisados a aminoácidos livres. Existem mecanismos carreadores específicos para grupos de aminoácidos que dividem características químicas semelhantes.
A gordura é absorvida predominantemente no duodeno e jejuno proximal por meio de eficiente mecanismo de difusão passiva. Proteína carreadora de ácidos graxos encontrada nos vilos auxiliam o transporte destes para o retículo endoplasmático do enterócito para a reesterificação. O transporte do triglicérides de cadeia longa (TCL) ocorre por meio dos vasos linfáticos enquanto dos triglicérides de cadeia média (TCM) são transportados diretamente à veia cava. Esta característica dos TCM assume importância à medida que o fluxo linfático estiver comprometido.

O que são carboidratos e onde são encontrados?

Os carboidratos são formados por átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio combinados. A estrutura básica de uma molécula de carboidrato simples consiste em uma cadeia de três a sete átomos de carbono, com átomos de hidrogênio e oxigênio ligados por meio de uma única valência
Existem três tipos de carboidratos: monossacarídios, dissacarídios e polissacarídios. Cada forma difere pelo número de açúcares simples inseridos em sua molécula.
Monossacarídios: Existem mais de 200 monossacarídios na natureza. Os mais comuns e que assumem importância na prática clínica são a glicose ou dextrose, frutose e galactose. A glicose pode ser obtida em alimentos, pela digestão orgânica de carboidratos mais complexos ou pelo processo de gliconeogênese, pelo qual é sintetizada a partir de estrutuuras de carbono mais complexas. Após absorção a glicose pode ser utilizada como energia para a célula ou ser armazenada como glicogênio no fígado e músculos e como gordura no tecido adiposo. A frutose, encontrada em frutas e no mel é o mais doce dos açúcares e é transformada, em sua maior parte, em glicose no fígado. A galactose não é encontrada de forma livre na natureza e é produzida a partir do açúcar do leite, sendo transformada em glicose e utilizada no metabolismo energético.
Oligossacarídios: Os principais são os dissacarídios, formados pela combinação de duas moléculas de monossacarídios. Na estrutura de cada dissacrídio a glicose é um dos açúcares simples. A sacarose (glicose + frutose) é o dissacarídio mais comum e contribui com grande parte das calorias ingeridas. Ocorre naturalmente na maioria dos alimentos que contém carboidratos. A lactose (glicose + galactose) é encontrada em sua forma natural apenas no leite e é comum sua presença nas dietas líquidas hipercalóricas. A maltose (glicose + glicose) ocorre nos derivados do malte e cereais em fase de germinação e sua contribuição para o conteúdo glicídico das dietas é de pouco valor.
Os polissacarídios são compostos com três ou mais moléculas de açúcares simples, sendo conhecidas moléculas de até 26.000 monossacarídios unidos ou polimerizados. Podem ser classificados em polissacarídios vegetais e animais. Dentre os vegetais enconra-se o amido e as fibras. O amido é encontrado em sementes, milho, leguminosas e grãos com que são elaborados alimentos como pão e massas. É importane fonte energética perfazendo até 50% do total de carboidratos ingeridos. As fibras podem ser divididas em solúveis ou insolúveis. Diferem amplamente quanto às suas características físico-químicas e serão motivo de futura discussão. O glicogênio é o polissacarídio animal sintetizado a partir da glicose no processo de glicogênese e é armazenado nos tecidos dos animais. Suas moléculas são geralmente grandes e variam de acordo com o número de moléculas de glicose acopladas. Armazena-se nos tecidos hepático e muscular. Sua velocidade de síntese ou degradação sofre influência de diversos fatores relacionados às necessidades específicas de cada situação.

Quanta energia temos armazenada?

O organismo animal tem capacidade de utilizar energia na forma de carboidratos, gordura e proteínas.
A gordura constitui o combustível celular ideal, pois cada molécula fornece 9 kcal quando oxidada devido à grande quantidade de hidrogênio presente em sua molécula. Esta quantidade é muito maior que os 4 kcal obtidos pela oxidação da glicose ou proteínas. Em repouso a gordura pode proporcionar até 90% da demanda energética do corpo. O conteúdo armazenado de gordura (15 a 25% do peso corpóreo) é de aproximadamente 100.000 kcal.
No homem bem nutrido encontramos cerca de 375 a 475 gramas de carboidrato armazenados. Cerca de 90 a 110 gramas estão armazenadas na forma de glicogênio hepático e 325 gramas como glicogênio muscular. De 15 a 20 gramas de carboidratos estão presentes na forma de glicose sangüínea. Considerando-se que cada grama de glicogênio contém quatro calorias, um indivíduo pode armazenar de 1500 a 2000 calorias. Esta quantidade é suficiente para acionar uma corrida de aproximadamente 30 quilômetros.
As proteínas contribuem com o fornecimento de aminoácidos para os diversos processos anabólicos. Em situações específicas podem contribuir com o fornecimento de energia com dois a cinco por cento da demanda energética total do organismo. Este processo de degradação protéica chama-se catabolismo.

Como o íleo adinâmico interfere na terapia nutricional

Ausência de atividade motora intestinal reflete situações clínicas oriundas de isquemia mesentérica, irritação peritoneal ou distúrbios metabólicos e infecciosos. Nestas situações clínicas a oferta de nutrientes deve ser suspensapela via digestiva.
Períodos de adinamia e/ou hipomotilidade intestinal podem propiciar a superpopulação microbiana e facilitar o processo de translocação intestinal, acrescentando complicações e dificultando o proceso de cura.
A persistência da situação adinâmica e consequente impossibilidade de uso do trato gastrointestinal pode tornar-se indicação de NPT.

Quais os principais oligoelementos e os principais sinais que indicam sua carência?

Zinco: Apatia, depressão, confusão mental, distúrbios olfativos, diarreia, atrofia testicular, dermatite vésico-pustulosa
Cromo: Neuropatia, alterações de balanço nitrogenado de forma negativa, bloqueio periférico da insulina
Cobre: Desmineralização óssea, anemia hipocrômica e microcítica
Ferro: Anemia hipocrômica e microcítica, estomatite angular
Selênio: Sinais de necrose hepática, miopatias, retardo no crescimento, cardiomiopatia de Keshan
Manganês: Distúrbios neurológicos, retardo do crescimento, rarefação óssea

Que minerais relacionam-se com o ferro em termos de absorção intestinal. Quais as dificuldades da suplementação oral?

O ferro da dieta está presente sob a forma de íon ferroso, férrico (inorgânico) e ferro hemoglobínico (orgânico). O ferro orgânico possui melhor velocidade de absorção seguido pelo íon ferroso e por fim o íon férrico. Absorção do ferro na dieta necessita de duas fases distintas, a captação pela mucosa e a transferência para a posição serosa. Merece consideração a particularidade de que somente no duodeno ocorre a transferência do ferro para a serosa. O melhor sítio de absorção, pela presença de PH ácido situa-se nas primeiras porções do intestino delgado.

O zinco faz mal?

A preocupação quanto ao zinco surge em torno de sua deficiência, que ocorre em situação de trauma e estresse, devido à sua essencialidade à composição de mais de 200 enzimas e interferência no metabolismo de carboidratos, lipídios e ácidos nucléicos. O zinco assume importante papel na manutenção homeostática do sistema imunológico. Suas recomendações nutricionais variam entre 5 e 19 mg de acordo com a faixa etária (RDA) e podem estar aumentadas em situações clínicas específicas. Embora a ingestão oral para que ocorra toxicidade seja rara (100 a 300 mg/dia), a suplementação contínua com excesso de zinco interferirá na absorção de cobre. O excesso de zinco pode causar irritação gastrointestinal e vômitos. Quadros mais graves caracterizados por anemia, febre e distúrbios do sistema nervoso central são reconhecidos em situações extremas.

O que é melhor TCM ou TCL?

Embora as emulsões lipídicas de TCM não tenham sido liberadas para uso nos Estados Unidos, a literatura os referencia como de uso vantajoso em situações de estresse metabólico. Os TCM são absorvidos mais rapidamente, não necessitam do fluxo linfático para atingir a circulação e não dependem da carnitina para serem inseridos na mitocôndria, sendo assim oxidados mais facilmente. Entretanto os TCM fornecem menor quantidade calórica por grama oxidada (8,3) em relação aos TCL (9,1). Os TCL, por sua vez, influenciam menos a motilidade intestinal (TCM aceleram o trânsito intestinal) e favorecem o desenvolvimento de vilos e criptas intestinais, o que pode ser vantajoso em síndromes de má-absorção.

Quais as limitações clínicas envolvidas com a suplementação de potássio e magnésio

Podemos suplementar a dieta com os dois elementos questionados. Com relação ao potássio, não existe dificuldade nos produtos comerciais. Nas farmácias e drogarias encontra-se xaropes, comprimidos e formulações especiais de liberação gradual.
O potássio possui características irritantes à mucosa do trato gastrointestinal, podendo provocar gastrite, náuseas, colites e, em casos extremos, ulcerações das mucosas.
O magnésio é encontrado como complemento em inúmeras medicações como, por exemplo, antiácidos. O magnésio pode ser prescrito nas formas de cloreto, sulfato, pidolato e quelato.
De maneira semelhante ao potássio, pode provocar irritação de mucosas e transtornos digestivos, sendo comum a presença de diarréia.
Ambos elementos estão presentes nos alimentos, devendo sua suplementação farmacológica ser prescrita com critérios.

Para ler em casa / referências dos textos:

Borges e col. - Vitaminas. In: Waitzberg - Nutrição Enteral e Parenteral na prática clínica. Ed. Atheneu. São Paulo. 1995, pp. 37-51.
Carpentier, Y.A. Intravascular metabolism of fat emulsions. Clin. Nutr.8:115-25, 1989.
Delafosse, B; Viale, J.P.; Pachiaudi, C; Normandi, S; Goudable, J; Bouffard, Y; Annat, G; Bertrand, º Long and medium chain triglycerides during parenteral nutrition in critically ill patients. Am. J. Physiol., 272:550-5, 1997.
Ferrini e col. - Minerais, Oligoelementos e Elementos traço. In: Waitzberg - Nutrição Enteral e Parenteral na prática clínica. Ed. Atheneu. São Paulo. 1995, pp. 52-74.
Kinsella, J.E. & Lokesh, B. Dietary lipids, eicosanoids and the immune system. Crit. Care Med., 18: S94-S113, 1990.
McArdle, MC - Carboidratos, gorduras e proteínas. In: McArdle, Fisiologia do exercício. Energia, nutrição e desempenho humano. Ed Guanabara-Koogan, 1992, pp. 5-18.
Riella, M,C - Suporte nutricional parenteral e enteral. Guanabara-Koogan. Rio de Janeiro - RJ. 1993
Ulrich, H; Pastores, Sm; Katz, Dp; Kvetan, V. Parenteral use of medium-chain triglycerides: a reppraisal. Nutrition 12:231-8, 1996. Dr. Carlos Daniel Magnoni
Dr. Celso Cukier

Colaboraram nesta edição:
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